PRINCESA ISABEL: SUA CATOLICIDADE E A LEI DO VENTRE LIVRE
PRINCESA ISABEL: SUA CATOLICIDADE E A LEI DO VENTRE LIVRE
[Artigo escrito por Sua Alteza Imperial e Real o Príncipe Dom Antonio de Orleans e Bragança, terceiro na linha de sucessão ao Trono e à Coroa do Brasil, e originalmente publicado no Caderno Especial “ArqRio História”, da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, em sua edição nº 4, referente à semana de 3 a 9 de outubro de 2021.]
No dia 28 de setembro de 1871, há precisamente 150 anos, a Princesa Isabel, Regente do Império na ausência de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, assinou a Lei do Ventre Livre. A partir daquela data, seriam livres todas as crianças nascidas no Brasil, ainda que de mães escravas. Em outras palavras, em território brasileiro jamais nasceria um escravo. A importância dessa lei foi superada, na perspectiva histórica, pela Lei Áurea, que a Princesa Isabel assinaria 17 anos depois, a 13 de maio de 1888. Mas, de fato, a Lei do Ventre Livre já determinou um golpe mortal e irreversível ao nefando sistema escravista até então vigente no Brasil.
A Princesa tinha 25 anos quando assinou a Lei do Ventre Livre, e 42 anos quando firmou a Lei Áurea. Abolicionista de todo o coração, trabalhou com afinco pela aprovação de ambas as leis, chegando mesmo a inspirar e animar os experientes políticos da Assembleia Geral do Império nos momentos em que o desânimo, causado pelas longas e acaloradas discussões, superava o otimismo. Católica devota, ela muitas vezes punha-se a rezar, rogando a proteção divina para os que trabalhavam pela aprovação da lei.
“Nobre, maternal e bondosa”, como a definiu Plínio Corrêa de Oliveira, pensador católico e monarquista do século XX, a Princesa conjugava em si todas as boas características de seus antecessores – Dona Maria I, Dom João VI, Dom Pedro I e Dom Pedro II – e também a Fé católica, e uma piedade profunda e autêntica recebidas, sobretudo, de sua mãe, a Imperatriz Dona Teresa Cristina.
Pode-se mesmo dizer que a Princesa representou, na História do Brasil, o modelo de Soberana católica, pois estava de acordo com o pensamento sublimemente consignado pelo bem-aventurado Papa Pio IX em sua encíclica “Quanta Cura”: “Os Estados subsistem quando tomam por fundamento a Fé católica”. É por isso que o falecido Padre Leme Lopes, S.J., com justiça referiu-se a ela como “Isabel, a Católica”, aplicando-lhe a mesma designação que a História conferiu à Rainha Isabel de Castela, que reconquistou Granada e, com suas joias, financiou a primeira viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo.
A Igreja Católica teve também um papel preponderante no processo de abolição da escravatura, pois desde sempre reconheceu que o homem deveria ser naturalmente livre. Aos olhos de Deus, ensinou o Apóstolo Paulo, “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3, 26-28). Nisso, o ensinamento da Igreja afastou-se da tradição clássica greco-romana, que afirmava ser a escravidão algo natural e inevitável.
Por outro lado, a Igreja sabia também que a escravidão – fruto do pecado e uma herança infeliz do paganismo – não poderia ser abolida precipitadamente e sem uma conveniente preparação dos espíritos. Uma abolição precipitada poderia causar muito mais malefícios do que benefícios, particularmente para os libertos. Há em nosso continente dois tristes exemplos de emancipações apressadas, que geraram verdadeiros monstros: o malogrado Haiti, com um terrível banho de sangue; e os Estados Unidos, com uma Guerra Civil fratricida, seguida por um século de segregação racial.
Era necessário, pois, preparar o terreno lenta e gradualmente, mas com muita sabedoria e muita determinação, como foi feito no Brasil: em 1850, a Lei Eusébio de Queirós proibiu o tráfico de negros vindos da África; em 1871, aprovou-se a Lei do Ventre Livre, objeto de estudo deste artigo; e então, em 1885, a Lei dos Sexagenários concedeu liberdade aos escravos maiores de 60 anos. Somente com essas leis, ao cabo de algumas décadas, estaria completamente extinta a escravidão no Brasil.
Mas a catolicidade e o senso de justiça da Princesa Isabel exigiam mais. Assim, no dia 13 de maio de 1888, quando era Regente pela terceira vez, ela assinou a Lei Áurea, libertando todos os escravos do Brasil, gesto pelo qual conscientemente sacrificou seu trono, mas pelo qual recebeu o título de glória de ‘A Redentora’.
A Princesa não queria parar por aí. Ela queria mais. Tinha um amplo projeto de, no Terceiro Reinado que sobreviria ao falecimento de Dom Pedro II, desenvolver um amplo projeto de inserção condigna dos ex-escravos na sociedade e na economia do Império. Foi com esse objetivo que ela, correspondendo-se com o piemontês São João Bosco, fundador dos salesianos e precursor do ensino profissionalizante, conseguiu trazer os salesianos para o Brasil. A Princesa esperava que os salesianos exercessem seu apostolado, sobretudo com os antigos escravos. Infelizmente, com a Proclamação da República, esse projeto foi abortado e os negros se viram esquecidos e abandonados pelo novo regime. As tristes consequências desse injusto abandono até hoje se fazem sentir.
Essa foi a Princesa Isabel, de quem tenho a honra e a responsabilidade de ser bisneto e herdeiro dinástico. Acredito que ela recebeu de Deus Nosso Senhor o prêmio de sua vida exemplar e de suas boas ações. Acredito que ela, junto ao Trono de Deus e aos pés de Nossa Senhora Aparecida, está rezando pelo nosso Brasil, neste momento tão difícil e ao mesmo tempo tão decisivo da nossa História.


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